O desenvolvimento acerca do termo sustentabilidade nos últimos anos tem despertado curiosidade e discussões na Engenharia. Em muitas citações, o substantivo é usado apenas em forte alusão à preocupação com o meio ambiente, tema bastante explorado no Brasil e no mundo na última década. É, no entanto, errônea a limitação da caracterização do termo ao universo ambiental. Em assertiva, as obras sustentáveis estão submetidas a três dimensões: a social, a ambiental e a econômica.
É preciso uma simbiose entre esses três universos, o equilíbrio entre eles, para a obtenção do adjetivo sustentável, que pode ser conferido a um projeto ou a uma edificação já existente. Para cada uma das dimensões, o objetivo está na compreensão do ideal a ser atingido e, então, na execução do maior número possível de ações que corroborem na obtenção do status desejado. O ponto máximo está na otimização de um “organismo” capaz de atender às necessidades sociais, impactando o meio ambiente a níveis próximos de zero e com despendimento financeiro equilibrado.
No âmbito social, o intuito está na satisfação das necessidades humanas, isto é, as ações devem estar alinhadas com os anseios da sociedade em termos de conforto, segurança e bem-estar. No que se refere às obras de engenharia, é sustentável na dimensão social aquela que propõe e executa condutas em prol e mediante análise prévia das necessidades dos usuários da edificação e da sociedade que será impactada pela obra, de modo que essa afetação seja o mais positiva possível. Como ações concretadas, são consideradas na análise sustentável aquelas que se referem a: ventilação, conforto térmico, conforto acústico e conforto visual dos ambientes; toxicidade dos materiais de acabamento; acessibilidade a transportes públicos; acessibilidade a PNE; disponibilidade de manual de uso e manutenção aos usuários; grau de dificuldade e execução das devidas manutenções da edificação; segurança física da edificação (existência de itens de segurança – câmeras, alarmes, cercas elétricas, etc.); segurança de infraestrutura (qualidade na execução da obra a fim de evitar incêndios, colapsos e/ou outros sinistros em função de erros executivos); coleta e manejo adequado dos resíduos sólidos durante a etapa de uso; controle de ruídos durante obras e uso da edificação; impacto social com o uso da edificação no seu entorno (trânsito, disposição de novos pontos de comércio, empregos, etc).
Quanto ao universo ambiental, o objetivo é claro: condutas e ações que reduzam os impactos no ciclo natural dos elementos que compõem o meio ambiente (árvores, rios, mares, solos, ar, etc.), com exceção dos seres humanos que já têm sua consideração na dimensão social.
Sabe-se que as edificações, novas ou não, geram impacto elevado no meio em que se inserem. Desde impactos relacionados à fabricação dos materiais usados em obra (tijolos, cimento, areia, brita, aditivos, cerâmicas, etc.) até àqueles gerados pelos ruídos das máquinas utilizadas na obra e eventualmente no uso da edificação, passando ainda pelos desmatamentos necessários para a construção de novas edificações e aterros sanitários que são destinos dos resíduos gerados pelo uso, por exemplo.
De acordo com o professor Vahan Agopyan, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a construção civil consome entre 40% e 75% da matéria-prima produzida no planeta, vide o concreto que só perde para o de água em consumo mundial. Esse é um dado sério e relevante, pois o cimento é causador de um enorme prejuízo ao meio ambiente em função do seu processo de produção. De maneira geral, a execução de novas obras de engenharia pode ser responsável por até 50% dos resíduos do planeta e todo o processo, construtivo e de uso da edificação, implica em uma contribuição elevada no que diz respeito às poluições do ar, das águas e do solo.
Aspectos considerados paralelos também são de alta relevância quando se avalia o setor ambiental. O mais evidente é o uso significativo de energia cuja fonte não é renovável, como usinas termoelétricas e usinas nucleares, que são uma forma de enorme impacto ambiental paralelo, haja vista os altos níveis de extração de matéria-prima para geração dessa energia, além dos níveis de poluição dessas indústrias como consequência do processo.
Para análise do grau de sustentabilidade ambiental, portanto, são normalmente analisados fatores como: quantidade de área construída em relação à área do terreno (índice de ocupação); quantidade de água utilizada na execução e no uso da edificação; área permeável existente na edificação; se a área da edificação compõe região contaminada ou não (por exemplo, áreas previamente destinadas a postos de combustíveis, aterros ou despejo de materiais contaminantes); quantidade de área destinada à vegetação nativa da região; percentual de área de reflectância na envoltória da edificação (contribuição na formação de ilhas de calor); fonte de energia primária da edificação; se e, em caso afirmativo, qual o percentual de energia renovável produzida na própria edificação; manejo de resíduos sólidos e da construção; se há uso de materiais reciclados e/ou de base orgânica na execução do edifício; uso de materiais ligantes em substituição ao cimento; se há disponível os elementos necessários para coleta seletiva e se é executada durante o uso da edificação.
O domínio econômico é o terceiro do grupo sustentável. Não menos importante, algumas vezes é confrontado pelos argumentos referentes aos universos ambiental e social, mas existe exatamente para equilibrar essa disputa. Não é sustentável o projeto que despende uma quantia 50%, 70%, 200% maior do que a quantia de referência para poder atender às demandas socioambientais. O elevado gasto também tem consequências prejudiciais para a sociedade e para o meio ambiente. Portanto, a otimização dos custos de projeto, sem objetar os custos relativos à manutenção do edifício, é o segredo para a obtenção de uma maior disponibilidade financeira e, assim, um maior número de benefícios.
O ideal do âmbito econômico está no equilíbrio financeiro. Assim sendo, o projeto é avaliado quanto a sua sustentabilidade econômica mediante a comparação entre o custo de referência (sem a adoção de medidas sustentáveis) e o custo com a adoção de medidas sustentáveis. É importante observar dois aspectos: o primeiro é que o cálculo pode englobar eventuais retornos financeiros em função de medidas sustentáveis adotadas, como a geração de energia por placas fotovoltaicas inseridas na edificação com posterior venda do excesso gerado, implicando no abatimento do custo do projeto; o segundo é que o custo deve ser avaliado, sempre que possível, desconsiderando um único beneficiário, isto é, o retorno posterior pode não ser usufruído pelo indivíduo executor do projeto, mas deve, sempre que possível, ser considerado no cálculo do custo total como abatimento.
Quem define, portanto, se uma obra é ou não sustentável? No Velho Continente europeu, por exemplo, indicadores definem o grau de sustentabilidade a partir de pontuações para as medidas, os materiais e os procedimentos adotados para cada esfera, e instituições são capazes de analisá-los e conferir um selo indicativo do nível de sustentabilidade ao projeto, ou à edificação. Do mesmo modo, nos Estados Unidos também há indicadores e instituição avaliadora. No Canadá e no Japão idem. No Brasil, contudo e infelizmente, ainda não temos indicadores e muito menos instituição para isso, apenas a norma de desempenho NBR 15575:2013 que direciona ações na fase execução de obras que contribuem com a questão sustentável. O sistema dos demais países que já o praticam se assemelha à certificação emitida pelo IMETRO brasileiro para os eletrodomésticos e eletrônicos no nosso país.
A conferência do selo de sustentabilidade a um projeto ou edificação é um desafio. Otimizar as ideias sociais, ambientais e econômicas é um duelo para qualquer área. Na engenharia, os interesses dos que defendem os benefícios socais muitas vezes vão de encontro aos anseios dos defensores dos ganhos ao meio ambiente que, por sua vez, confrontam os objetivos econômicos. Estes, em inúmeros casos, são ordenadores, pois faltam ou são limitados pelo portador financeiro, impossibilitando a adoção de medidas que trarão benefícios socioambientais. Os defensores das demais ambições, ainda, são corriqueiramente inflexíveis.
Portanto, as palavras-chave na questão sustentabilidade são equilíbrio e otimização. A partir do momento em que os envolvidos nos processos de construção e uso compreendem que é preciso que o peso de cada dimensão seja o mesmo, ações são tomadas no setor econômico para prover ganhos ambientais que, por sua vez, são modificados para conferir conforto e bem-estar social. A sustentabilidade é, por natureza, um ciclo sem fim, em que uma dimensão suporta a outra, de modo a prover harmonia socioeconômica e ambiental.
Autor: Eng. Msc. Phelipe M. F. Mattos